quarta-feira, 29 de abril de 2009

Poeminha

Meu amor não é segredo
que não cato pelo medo
desta luz, deste luar.

Proteção de sete lados,
enquanto os deuses jogam dados
entre a selva e o mar.

Não me prendo à verdade
neste mundo de maldade
que ressoa a solidão...

Ai! Mas o que digo?
Acordei pra ver perdido
o que chamava coração.

Poesia feminina

Nunca realmente acreditei em poesia feminina.
É irreal, um fantasma.
Nunca cri que minha mão fosse esta água-viva.
Acho que meu corpo entortou-se pelos tempos...

Consternação da vida

Fecho os olhos.
A cabeça dói
a mente parafuseia
uma nova espécie
de mensagem subscrita.
Um cubo? Um triângulo?
Negros, percorrem
os céus e determinam
o final da viagem,
o início de uma
sombria camada sobre nós.
Me chamam. Não ouço.
Derreto, escapo pelas
descascadas paredes
manchadas pela vida.
Pela vida? Pelos homens?
Qualquer jeito de abraço
cego e morno
inda é projeto
de afeição, levemente
torto pelo medo.
Um abraço? Um beijo?
Uma impensada
não correspondida
maneira de sentir?
De existir? De prejudicar?
De consolar?
Compelido pelo fogo,
meu dia se desdobra
como um balão,
como elefante.
E há um gás solto
na relva, uma rapsódia
sendo composta às escuras.
Eis o paradoxo
de minha mundana vida
que, para ser vivida,
exige um coração
maior, uma fuga definitiva
e a insistência do poeta
oblíquo.
É um destino, ser poeta? Um fingimento?
Reunião seriada
de vastos vastos corpos
num completo wasteland.
Sonhos secos
no breque em que a alma
abstraiu certos conhecimentos.
Tornei-me mais vago? Mais imbecil?
Não. Sopra pela mão
essa geleia de vida.
A pele aquosa quebra o vácuo.
Recomponho-me todo:
é o fim (sou as águas?)
é o fim (sou as luas?)
estou completo agora,
sou todo vapor e luz
no vingar do sol nascente.

domingo, 26 de abril de 2009

Floresceu

Contraio-me
minimizo-me, perco-me
diante do arsenal que me é apontado.
Sou mais um subjugado dessa Máquina.

A Máquina não julga.
A Máquina não escolhe.

Sentado, perco a postura e choro.
Sombras me atingem como caminhões no escuro.
No refúgio é tarde demais,
e tudo é lástima
minha face é lástima
e poeira que flutua e vai pousar onde...

Descobri a fraqueza nos meus músculos,
meu chapéu não mais me cobre.
O povo não pensa e é morte,
a imagem que vê meu olho chega dividida,
é caos (e melancias, relógios, tudo).

Mas da soma de lágrimas excessivas
o último santuário brota desinformado,
em forma e cor de delicada
plantinha amarela; anúncio prévio de que
a vida continua, fora a noite, a fome e o medo.

É tempo

É tempo de chover as estações,
numa rua me somar aos foliões.

É tempos da língua. De um breve
contato entre corpo e âncora.

É tempo do farol recortar oceanos
e de um velho sabor fresco.

É tempo das ovelhas
e não dos lobos.

É tempo de promessas às cegas
e de um grito novo, heroico.

É tempo de focar a luz bêbeda,
intrinsecamente minha, nos papéis.

É tempo da viagem adormecida
sob séculos e séculos e séculos.

Ah, os papéis! Ah, a viagem!

É tempo, tempo antes de outro qualquer,
de escalar a colina
(eu sei que teus pés não conversam)
de segurar firme a tua bandeira
(sei que teus braços já frios)
e num gesto férreo
(teus gestos estudados)
lançar sobre o sono internacional tua bolha
amorosa... Eis que começa o mundo,

tímido, patético e otimista.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Curiosa semelhança

As horas se empilham, gastas.

Teus dedos envelheceram. Teu sangue, e
as embalagens de leite também.
Outrora tu fostes um livro engomado,
agora vês o dia como amigo.

Algumas coisas permaneceram.

O melancólico jornal reduz ainda
o dia atual. A mulher encarrilha
ainda o mundo girante.

Mas tu eras alheio, ignorante, feliz
até. E agora tens de batalhar
por tudo, pela honra e pelo pão.

Os homens deitam, evoluem,
os homens regressam ao mar,
sobretudo ao sublime, seco mar.

Oh orai pelo amanhã secreto
de uma fotografia amarelada.
Orai pelo tempo que range
por entre pés

ouvidos
memória
que dor.

Para provar que continuas,
posiciona-te ao espelho
e essa engraçada figura
de um, cinco, cinquenta anos atrás
sobrepõe-se esquálida e pequena
à curiosa semelhança do reflexo e de ti.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Pra morena

Morena desfila no calçadão.

Morena é minha, cem por cento minha
em pensamento.

Quem me dera, morena, que
quanto teu homem e seus dedos
- o ilustríssimo Dr. Ribeiro Prata -
não te alcançarem mais, morena,
tu me visses no banco do café
me chamasses à dança (e eu iria)
me chamasses à casa de pedra
me chamasses à noite, morena;
por ti só, me calo de emoção.

Meus olhos te engolem em cada beco.
Minhas mãos se agitam em pressentimento.
Mas minha boca é um túmulo, moreninha...

Morena vai, colhendo nos lábios o que o sol de longe enviou.

Morena, morena, vem dançar, e saiba
que se minha voz tu não escutares,
ainda assim estarás para sempre
- irrefutavelmente -
no âmago de meu amor. Morena!

Ressureição

Passeio só à tarde
às margens mudas do lago.
Mas não há um peixinho só
que explique a paixão que trago.

O sol conduz o horizonte;
sei que a lua chega logo.
Porém persiste o fogo errante
desta paixão que agora afogo.

A brisa morna do céu laranja
aquece as frias mãos sem tato.
Atrevo-me; peco. Com as mesmas
puras mãos, a paixão eu mato.

Observo meu reflexo: o que foi
que fiz? Amargo fujo e corro,
pois da ausência da paixão já
trucidada, por dentro todo morro.

E veio a lua feito pérola lustrada
pintando as sombras de luminosa cor.
Em súbita felicidade rara, percebo
que da paixão deposta surgiu o amor.

Pensentir

Pensamos, sentimos,
pensentimos (e etc) tudo,
até mesmo o sentir proibido
e o pensar fundalmentalmente estúpido
que é uma mandrágora
mil-folhas laranjamarelado
soprando o açúcar (em
diversas ondulações sobrepostas)
do ato de soprar (e é
o sopro que aqui age)
teus cabelos miraculosos:
haja audácia!
A primária ponta do dedo
(já fora do risco de ser corpo)
é que toca este azul veludo.
Pura sensação
falsificada, mirageira,
pois lá vai a cama-de-rosas
(azaleias, cravos) desfilar
luminescentissimamente bela
em minha mental imagem.
Enquanto eu
pensando, sentindo,
fico apenas com o que se salva
nos farelos que o vento (e etc) recusou.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

A hora de José

José queria ir a Paris
ver o mundo da gente séria
mas acabou em São Paulo; um
miserável meio à miséria.

José sonhava em ser escritor
poesia prosa romances vários
mas seu destino o fez registrar
num cartório os obituários.

José atrás de um amor
pra da casa fazer ninho;
mas seu coração amargo o fez
passar a vida a ser sozinho.

Na hora errada, no lugar errado,
indago-me:
quando é que chega a hora de José?

Zé queria viver cem anos,
sentir de mil flores o aroma,
mas o bandido sacou-lhe a arma
e disse: toma.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Amor projetado

Braços se deram
dedos se roçaram
na cama adormeceram
uma noite trespassou
e o dia veio chamar
translucidamenteforme
que agora já é mui tarde
se ele quer só Maria
se ela chama por João.
Entre eles, o eco infinito
do amor projetado torto.

Noivilbo

A vida voa numa virada,
para ver: nos esquecemos.

Esquecemos de que toda segunda vez
é uma nova primeira, um novo fogo,
e de que toda segunda-feira
relaxa na rede, nos convocando.

A vida é pura dor, dor concentrada,
mas qual, muito antes mergulho incerto
nesse vale que é o esquecimento...

repenso: fica aqui comigo dor,
algo ainda é memória do meu amor,
seja lá o que for.

Plano as borbulhas do amor impossível.
Projeto as estradas longínquas... em vão.
Resta em branco a dor; não a dum amor; mas a
do esquecimento fluxiforme.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Passos n'água

Ele olhava, olhava para todos os lados. Naquela mesma rua, onde ninguém mais ousava dizer nada. Estava chovendo leve; trouxera um guarda-chuva. Descia a rua praticamente deserta. Havia vitrines, havia luzes vindo de todas as direções. E a sensação de que havia algo de errado com o mundo e com o peso do ar não lhe deixaria nunca mais.

Ele pensava, pensava sério através do silêncio da cidade. Não havia muitos prédios, hão havia quase nada. Ora! Seus passos pesados nas poças encharcavam seus sapatos completamente. "Mas que droga". Mandara-os para conserto inda esta semana... sua cabeça parecia-lhe pesada; à mente, parecia insuportável a ideia de um pensamento claro e iluminado, aqui...!

Ele errava, errava e cria que mais ninguém ao seu redor sentiria a dor - talvez por não haver deveras ninguém ao redor. Só o carro passando silente, tímido, pequeno, e foi. Só sua dor a carregar-lhe. Mas não havia ninguém! Ninguém a lhe explicar!... Persistia no erro.

Foi subindo a rua e observando as cores de dentro. à sua frente; cinza. O dia já nascera frio e quieto. E nessa chuva, e nessa névoa... "Eis um problema. Um problema formidável, este tempo suspenso...", pensava só, mão no bolso. E sua tristeza hoje o inchava porque estava cansado. Mas já amanhã...