quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A moça e seu sorriso

A moça me deu um sorriso
que guardo num recipiente velho da vida.

Mas vale mais que isso.

O sorriso despreocupadamente atado
ao corre-corre diurno mediano
é minha vitória discreta.
E ai do sorriso
vindo da voz modeladora em piso
se me descobres em lado falso
da harmonia que cabe num dia.

Mas o esquecimento é a defesa e escape
do meu futuro tal furo em parece oca.

Os olhos desviam
para não derreter a pérola maior
em seu trono merecido (ilusório?)
o descanso seu. Mas em sublime afinação
os opostos encaram-se.

Dura este momento lépido... indertemino:
seu lugar não é no infinito.

Mas e quando ao sonho meu?
A moça me dera um sorriso,
contudo valho menos que isso.

Vou que traduzo a moça em verso,
onde ela pode me perseguir sempre, para sempre,
sempre que assim desejar.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Obituário às três e trinta e sete

É o modo com que o mundo
nos bota livres em um palco morto,
e, na audiência, o destino e a miscigenação
no eterno confronto e jogo
do fogo que arde a lamber-se à vida.

Tudo que é espaço e aéreo
e que não nos pertence por saída,
antes por inquisição própria e tormenta sadia
é que não existe. E logo abandonamo-os
sem desconfiar à cara simples
a figura no espelho dinamitado.

E as montanhas vão a premiar o silêncio
que os sucumbidos formaram ao darem as mãos.

A experiência ecoa e coça e róe-se.

O chão deixou de ser batido e passou a bater.
A idéia deixou o posto esculpido e deu de morrer.

Pois há cinza nos céus impávidos
e a glória afrouxa seus limites
e a força percebe-se fraca em nosso peito.

É quando morremos, pasmos;
mas numa existência há mais mortes infindas
carcomendo os órgãos pela raiz lenta e viscosa
do que se contaria numa vida vivida toda.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Músicas à parte

Música. Teroicamente falando, música é uma ciência exata, com tons, escalas, notas, bpm, e etc., tudo no seu devido lugar. Mas ninguém está aqui pra teorias, porque, na prática, a música é um turbilhão de sensações e sentimentos. Amor, ódio, felicidade, melancolia; está tudo lá, pronto para ser ouvido. Desconheço criação humana que reúne tanta emoção aglutinada, espremida em faixas de 3min. É magia.

Para mim, música é uma coisa simultaneamente gigantesca e modesta. Eu fico fascinado com a maneira que alguns acordes, vozes e sons podem, sem prévio aviso, mudar o nosso humor de ponta cabeça. Fascinado mesmo.

Podemos estar cabisbaixos e infelizes, mas de uma boa canção é o que, de fato, precisamos. Ouvimos então ela. É a deixa para que, rapidamente, um sentimento intenso nos domine. Sorrimos feito bobos. As cores voltam ao nosso redor. Certas músicas nos trazem alegria, espantam a tristeza de maneira tão pura e viva que causam inveja nos antidepressivos.

Eu sei exatamente quando preciso de um pouco de música para mim. E sempre que ouço, acabo sorrindo pro nada. Música tem disso, de nos deixar mais felizes, aliviar um pouco o peso que carregamos sem nem saber direito o porquê.

Ou então, o opsoto. Estamos na nossa, serenos e calmos - até que ouvimos uma canção; ah! É aqueeela canção, ah meu deus, me segura senão eu choro viu, poxa, daí já é sacanagem. A música pode nos deixar tristes, verdade, mas pode chorar que é permitido. Algumas coisas só curam depois de muitas lágrimas derramadas.

Pode ser que você tenha se lembrado daquilo que queria poder esquecer, ou daquilo que nem lembrava mais. Daquilo que jamais queira esquecer, talvez. Músicas têm o poder de adquirir um significado intocável para as pessoas. Elas podem lembrar-lhe de alguém, ajudar-lhe a esquecer alguém, ajudar-lhe a fingir que esse alguém não te diz respeito, entre outros.

Vai ver ainda que você chore ouvindo algo e nem saiba o motivo. Pode ter sido a beleza da música - afinal de contas, também é arte, uma das mais belas por sinal -, ou apenas deu vontade mesmo. Nenhum problema em chorar pro nada da canção. A única vez que eu o fiz, aliás, foi também sem saber o porquê. Algo na música mexe com a gente lá na nossa parte mais funda, que nós também desconhecemos.

E quem aqui nunca escutou uma música e pensou que foi feita para você sob encomenda, pois dizia exatamente aquilo que você estava pensando, querendo ou sentindo? Eu devo fazer isso umas 3 vezes por dia, pelo menos. Músicas são a forma de expressão mais honesta, na minha opinião. Músicas intensificam tudo aquilo que envolvem. Deve ser por isso que criaram as peças musicais. Se apenas com o teatro fica algo faltando, combinando-o com a música já fica sobressalente.

Claro que nem todas as músicas nos despertam tais emoções. Algumas canções que estão aí presentes na mídia pecam na falta de emoção, falta de devoção à própria música. São só batidas conseqüentes, monótonas, sem aquela busca pela sonoridade nova e emocionante. Chorar ouvindo um batidão funk então, só se for descascando cebolas junto. Mas mesmo tais "músicas", se não conseguem nos emocionar, ao menos nos convidam para dançar. Afinal, o ritmo está óbvio.

Música é algo surreal. Às vezes penso que vivemos para a música, vivemos procurando aquela perfeição de sons, ritmo e afinação. Existe, sim, muito mais no mundo do que a música, mas é ela que chega mais fundo. Ela vem quando nos encontramos mais vulneráveis, justamente quando ouvimos música. Percebe? A música que você escuta dita nas entrelinhas de seus versos - mesmo que não os tenha - um jeito de ser, uma maneira de viver.

Que você segue.

Às vezes é sem perceber mesmo.


(Originalmente publicado em 05/02/2008)

O poema das formas

Ai! A forma,
ai o risco, traço,
o barulho e a linha
que não compreendo.

Ao lado, ao meu redor
tudo em forma pura de
linharetotraçovoltaesboço
em emendas do anfitrião dessa terra,
ai, a terra que não teme seus filhos
nem o diabo.

Ao lado ao meu redor:
tudo é linha.
Não há homens. Nem palavras.
Não há ódio nem amor.
Não há. Não é.
Não existe.
Não.
N.

O que existe? O que não é forma
o que não foi toque:
é o eu entre o céu e o mar,
frívolo e discreto.

Das formas espalhadas que não extínguo
chacoalhando a vida só
e delas rindo (pois tens boca),
tornou-te em tempo delas todas,
amor "amaro",
e óh! és a mais bela e formidável.

domingo, 9 de novembro de 2008

Atraso do corpo, voz, etc.

Confusão. É o dilema
que meu corpo unge,
por qual o barro dobra...
desdobra e flutua em volume
e em maçaneta. Confusão
é tudo o que quero
e o que me quer.
É a planta comida pelo ferro
e as outras que houver.
É um fiapo fiapinho...
preso em voz grave
- mas lembrem que voz não há -
figuro palavras que não existem.
Temo o que existe e é. Confusão!
Cremo o véu
saudoso papel
que corre solto em abatidas
e saltimbanco. E é muito e é tanto!
E é pouco, pouco demais
a colagem de sopros
a miopia e a cólera
e a entor pecên cia.
Con fusão!
Destróem-se-me e tornam,
obsoletas, as pa lavras nessa doença.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

24 horas na rua do Castelo Verde

A rua do Castelo Verde,
sempre formada de memórias
e clarabóias que se perde
sem descontar uma, nenhuma glória.

Os sorrisos são mais brandos
na rua do Castelo Verde.

As torres nos espiam lá do alto,
fingindo um perdido fauno
neste inverno coeso
da rua do Castelo Verde.

Os homens causam calafrios,
as mulheres eriçam seus pêlos
e terminam suas conversas em beijos,
sob o luar eterno e reformado
brilhando as calçadas do Castelo Verde.

A noite se esvai, esfumaça, dilui-se
em saliva salgada
em fome doce
e as moradias e as vozes:
o nome é união.

O mato e a dor não concordam
na rua do Castelo Verde.
As esquinas fundem-se às estrelas
que existem acima da chuva,
fino grão revigorando a terra
(esta agradece em sussurros).

Os prédios sucumbem ao vazio
que dele compôs-se a sombra
fustigada e irritada
à luz do lampião.
Acontece que há lampiões
na rua do Castelo Verde.

As velas corroém sua cera
choram-lhe-a, fraca,
todavia inda acesa
(sempre acesa).

A pedra-mãe do caminho,
esta calçada e esta lapa;
marca de que a rua do Castelo Verde
é deveras material.
(É ilusão não, senhor!)

O borrão de luz que segue
afugenta o amor de seu descanso;
foge corrido e concorrido
ao raiar da manhã.
As passarinhas anunciam:
há um recomeço à disposição de todos nós.

Não existe castelo algum
na rua do Castelo Verde.