domingo, 26 de outubro de 2008

Desacordar súbito

Acordei em meio à noite
na penumbra do giga-nada
preso em twilight de subúrbio.
A cabeça em peso; distante,
voltada e fechada.

Um ponto brilhante, apenas,...
apenas este mesmo lugar-incomum
sortido em pilhérias.
Abri os olhos! mas as coisas não desejam ser vistas.
Acabo estrangeiro e dormente.

Peço pela luz, peço por todos
anjos que se escondem nas esquinas!
Mas são surdos? As estátuas
na praça da meia-noite
acompanham o martírio, com tristeza.

Teus braços são duros!
Tuas formas, enigmáticas... que adivinho
sem interesse algum no acerto.

A torre do Castelo continua seu papel
de reinar indiferentemente ao rei.

A noite passa sublime; passaria,
não fossem tantas vontades.

Acordei em destino: sim,
Admito!
Mas foi apenas em intuito de testar-me
a ver se atingo
um adormecer deveras.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Poemando (po ê ziah)

Poesia
essa heresia
que é inerte
que não diverte
a miúda letra ácida
o final da audácia
da falácia da mente,
do meu eu consciente.
Dôo meu subconsciente
das margens vivas a mais diferente
consumindo da parede o retrato
mantido morto, ou eu que mato?
Do braço, acessório
cai em eco notório
e alcança os passos que divido
na terra de laço partido
em tempo de lutar o campo
de ser nada, de ser tanto!
Um desligamento completo,
aqui o consumo discreto
da hora simples recaída
em nostalgia sem saída...
eu durmo, perco a inocência
cai a sílaba sem procedência!
Porém consigo ainda cantar, num imenso mar imerso,
Todas as lindezas do contemplar de meu humilde verso.

domingo, 19 de outubro de 2008

Poemificar

Tudo começa com uma idéia,
uma visão incontada; um sonho claro.
Viaja entre vôos e saltos
numa onda multicolorida...
chega então a folha branca,
sempre branca,
com seus olhos devoradores e
pinças cintilantes.

Eis lápis - caneta - pena e tinta!
Anda e transcreve as visões que tive
com a beleza imperfeita da língua, vai!
E as palavras vão caminhar o céu.

Iniciam-se versos e contrações,
tudo isto saindo de mim,
caindo no espaço importante das linhas;
é virado ao avesso.

E caí no final! Mas com
um sorriso de quem se fez
inacabável, inacabado.
Um raro cristal, ludibriando a verdade,
valendo um preço injuso e imensurável.

E assim, as atenções migram ao poema
esquece-se no transe o poeta-dilema,
que muta a ser admirador.
Até a poesia mantém inerte, intacta,
sua função hipermetalingüística.

E é nesse último verso que me encontro mais inteiro; diverso.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Eu aqui e agora

Eu aqui
sentado vivo e todo impessoal
(pareço verbo)
preso, entrelaçado em cadeia banal;
esta pena forçada
com muito suor escondida
debaixo dum cabelo tal tão belo.

E sinto-me numa corrida circunflexa
(sento na cadeira e viro circunflexo)
em que os vencedores - vencedores? -
concluem antes e perdem todo o sentido.
Distendido assim num corrimão quebrado...
entendido porém um coração compartilhado,
envolto duma sensação do mundo inteiro
e reforma dormente, o tudo e o meio.

Sinta o perfume! Ah, da vida nova!
A vida leve que voa em nuvem
e aterrisa em chuva.
E formam-se protestos
e criam os ideais
e o mundo combina-se, ofusco,
parece montanha-russa!

Parece mito, o conflito vital
e o lago, afago magro:
mas me é tão meu,...
faz tão bem! Insisto colorido,
faz-me assim tão bem.

domingo, 12 de outubro de 2008

Sonhohnos

Estava tão bom...
eu ali sentado torto...
senti-me tão verídico! E composto.

A borboleta preta perfurando línguas sujas,
óh! dai-me tuas emblemáticas asas,
vou-me seguindo a voar...
cores, milhares,
paletas e tons, pintar o céu
de trinta maneiras diferentes...
tudo isto num minuto! Acho incrível!
O campo, o verde rolante,
a vertente da vida!
E o profundo caminho abissal
que arde na memória;
materializa-se a uma distância curta
estas garras em forma de sorrisos
(cada vez mais próximas)
e os escudeiros urram,
os ouvidos ressoam!
Escalas arpejos acordes
escuto de canto, canto
vem e vai e vi e vui
os contratempos de um mundo,
abrangente como é - magia! - e
diferente como descobriu-se ser.

Ser sem existir,
em sua forma intocável
o paraíso de meu sonho.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

O cravista

Sentado em seu pequeno banco, o cravista observava seu instrumento, imóvel, logo à sua frente.

Morava sozinho na Rua dos Frievos, nominho esquisito: não sabia de onde viera muito menos o significado; quanto à cidade, o nome já se perdeu no tempo. Na rua de pedra as árvores altas projetavam sombras compridas e relaxadas à tarde. Nessas tardes, via de sua janela a luz dourar toda a via, em perplexidade... (voltaremos à janela logo mais). De seu pequenino prédio - antigo, tinta vermelha já descascando – era o único inquilino verdadeiro. Outros moradores duravam no máximo umas sete semanas, mas ele não sabia o porquê disso: agradava-o-lhe muito. O cravista, enfim, respondia por Érico.

Pois Érico, sentado em seu pequeno banco, observava seu instrumento. À sua esquerda, a janela: perdão, leitor, mas esta merece uma curta menção.

Tratava-se duma grande janela de vidro límpido, embora já fosse de anos. Vinha a descer do teto até uma pequena altura, onde acabava. Sua visibilidade era plena. Dela via-se as pessoas, os animais, as árvores, os gestos e os sentimentos; nada que escapasse de sua lente azul; nada que conseguisse correr longe da verdade filtrada por este vidro brilhoso e luminoso. Érico tinha segurança de que ela ligava-lhe ao mundo muito mais do que a porta rangente de sua morada. Fosse morrer um dia, queria dela ser defenestrado, apesar da baixa altura do seu segundo andar.

Então Érico, sentado em seu pequeno banco, observando seu instrumento; então Érico ouviu um ruído por detrás do cravo. Observou o quarto no escuro das coisas... Mas antes ao ruído, vamos ao quarto.

Nada muito extravagante. Ao abrir a porta, dava-se de cara com sua cama, sempre polida e arrumada. À esquerda ficava a janela, e transversal a esta seu cravo. Podia assim tocá-lo e, sem muito esforço, observar o mundo através de sua janela apenas voltando a cabeça para o lado. Na parede da porta, também no canto esquerdo, uma pequena estante onde realizava escritas, anotações. Acima dessa, uma coleção de livros. Pois era este seu quarto, iluminado à vela e aceso em silêncio. Voltemos, paciente leitor, ao ruído.

Érico que sentara em seu pequeno banco e observara seu instrumento agora fita o ruído. Este ruído que virou vulto que se tornou gente e de gente acabou num anjo. Anjo? É, tinha asas de anjo a criatura, mas as asas eram negras. Os olhos, contudo, brilhavam em pureza e respeito. Vestia um robe preto com um laço amarrando-o na cintura. Tinha o cabelo branco e estava descalço. Érico não pode deixar de surpreender-se e de súbito levantou e encarou-o. Este “anjo” apenas olhava-o de volta, com um sorriso leve e frio na boca.

“Que és tu, criatura?”, perguntou Érico em susto. “Não és anjo...”

“Não”, respondeu ele. Ele, que era um anjo caído, mas não dar-se-ia ao trabalho de explicá-lo; não era do interesse do momento; também não era dos homens de entender a casta angelical. “Chamo-me Lai e vim aqui ajudar-te...”

“Lai?” repetiu Érico com dúvida.

“Isto!” disse Lai rápido e oportuno. “Vim ajudar-te, escuta-me, vamos... Vim até cá mostrar-te o mundo.”

“Não compreendo”, respondeu Érico, com a cara em sigilo e cautela.

“Pois vais. Dá-me cá tua mão e fecha teus olhos”, disse Lai, e estendeu seu braço esbranquiçado e abriu sua palma virada para cima. “Vens?”

Érico viu os olhos de Lai cintilarem. De repente a casa estava fria e compacta no espaço...

“Asno!” reclamou Lai. Érico, irritado e confuso, estendeu a mão e, com tremor e força, uniu-a a de Lai. Cerrou os olhos.

Tão rápido o fez, foi impulsionado com tremenda força para cima; só percebeu isto após um momento; pensou que havia quebrado sua cabeça no teto, mas em surpresa deu-se são e vivo. Abriu os olhos: via nuvens, nuvens gigantes, frio. Não compreendia.

“Eu disse para fechar os olhos, criatura!”, brandiu Lai, e de súbito Érico obedeceu. “Vais morrer se espiar... Não é dos homens calcular a dimensão disto.”

“Que seja o que for isto!”, pensou Érico consigo. Seus ouvidos zuniam e reverberavam, seus sentidos misturavam em sua mente. Porém, justo quando a sensação tornava-se insuportável, ela parou.

“Cá estamos, abre teus olhos agora, criatura de forma” explicou Lai. Érico mais uma vez obedeceu-o com cuidado e abriu. Encontrava-se num extenso gramado, com montanhas ao redor, ao longe. Flores e árvores existiam em bandos, na distância dos morros. As nuvens que vira não estavam mais ao céu: o dia limpo. “Vê agora o espetáculo do mundo...” sussurrou Lai.

Então ele viu. Viu o desfile dos povos: egípcios, chineses, gregos, as bandeiras que carregavam em seus peitos, viu os filhos da própria terra. Viu armas e armaduras das guerras, viu as próprias guerras: a glória da vitória e o entalo da derrota. Viu na cara de vários o fim, ou um começo, ou os dois. Estes logo passaram, pois eram passageiros, e deram espaço a Gaia. A Mãe que carregava mil flores nos braços, a beleza do fogo nos olhos, os ventos verdejantes nas pernas, o líquido da vida ao ventre, a nova vida, a vida impossível de ser mais vida, em sua forma mais viva. Vida na forma de vida. Se Gaia sorria em trovão, cantava em calmaria, e era magnífico o espetáculo. A Mãe cortou o solo e dele saiu a Alegria, que roubou a si a luz das estrelas escondidas sobre o céu claro e explodiu em dimensão e limbo. Seguiu com a Dor, e Érico sentiu a dor, roeu a dor, a expressão tão perdida e ainda assim leve. Ela ergueu a voz em náusea e enfim virou todo o azul dos lagos. Prosseguiu o Amor, e sua face era tão bela e verdadeira que Érico não pode evitar de apaixonar-se por ele. Mas logo o Amor virou-se de costas e surgiu a donzela da Paixão, em faísca e consumo: correu os céus e a terra pintando-os de cores invisíveis aos olhos. Érico ficou estupefato. Desfilaram ainda a Modéstia, se fazendo menor do que era; o Engodo, se fazendo maior do que era; o Ciúme, o Desejo, a Luxúria, a Honestidade. Cada um em sua beleza da forma, eu seu estilo inconfundível e intangível. Passaram-se os Anos, os Séculos, apareceu o Tempo: foi a festa do Universo. Apareceram as Galáxias, cresceram em supernova até que viraram grampos de luz, alfinetes de luz. Surgiram os Deuses, em seus poderios e pompas, durante raios e chamas, Anubis, Thor, Zeus. Para enfim surgir o Homem, tímido e impessoal, detrás das sombras. E Érico teve de se aproximar muito do vulto até notar que o homem a sua frente era Érico.

Então num momento ínfimo a luz e o espaço foram sugados num vazio infinito, e Érico viu-se no meio de um estupendo nada. Estupendo! Não pisava, tampouco caía, e também não flutuava. Achara seu ponto neutro. A seu lado, Lai estava sério e caricato. Ainda vale lembrar, leitor amigo, das palavras que Lai compartilhou neste momento:

“Tu viste o mundo, criatura.”

“O que dizes?”, indagou Érico em cólera e fraco.

“Viste a ordem das coisas... Sabes do passado, conheces teu futuro... Viste o mundo como ele é sem as lentes da realidade... Realidade! Esta só serve para ofuscar tua visão!”, Lai falava em aspecto quase rindo, quase sério.

“E tens motivos para mostrar-me isto tudo?”, perguntou Érico mais sério que Lai.

“O mundo só merece ser mundo enquanto ainda houver quem o veja... Ora! Agora fecha os olhos, criatura!”, disse isto e evaporou, sem a chance de Érico da resposta, numa fumaça finíssima, muito branca.

Érico obedeceu sem pestanejar. Seus ouvidos quase explodiram, sua cabeça girava em contusão estranha e aborrecida. Enfim o mal-estar ou o não-estar cessou, e ele abriu as pálpebras.

Érico encontrava-se sentado em seu pequeno banco, observando seu instrumento, imóvel, logo à sua frente.

domingo, 5 de outubro de 2008

O fim

Enfim chegam as formas e tipos do mundo
ao seu oblíquo e derradeiro final,
pois tudo tudo mesmo é oriundo
de uma mesma voz, de um mesmo arraial.

Vejo-me também,
finito e findável,
nos espelhos entre becos sem saída.

O dia também é poesia:
encerra e recomeça apenas pela
vontade de reacabar.

Morando a vida inteira
nesta casa temporal
no inacabável fim
incurável remédio
do momento claro e simples,
no final
fim-all
finalizado.

Se nós vivemos,
se nascemos e vivemos
se somos todos os absurdos
do cotidiano, somos personagens e
logo nem somos mais..., acabou.

Sobram só as memórias atrasadas,
te lembras como?
E elas têm as cores que queremos...
papéis pensados e assinados em branco
amargo choro em saudade (divino pranto!),
e elas tinham formas que agora temos.

O mundo termina, embora seja eterno;
o mundo ensina, contudo nunca aprende;
ao mundo desafinado que combate seus heróis,
o mundo é que comanda, enfim,
apesar de ser carente.

Sinal de siga, prossiga, vai!
Sinal sinaleira sinalizado, o sinal
que arremesso no céu (e como voa!)
e dura mais que eu,
dura enquanto durar a eternidade sua.

Então vai o caminho tortuoso,
torturante, disto distante
seguir seus perigosos saltos e
sobressaltos e subsaltos.

Este estranho jogo, o
flerte inerte das palavras
voando mais alto que as asas
de répteis: eu, que espero
assim imortalizar-me...

O homem..., mais redundante que
as estrelas pontificadas;
perde-se em sua grandeza minúscula
única, bipolar, trifásica, quarentena.

O homem, ser tão limitado
e de ideais puros (muros)
que conserva em gavetas... sete chaves os protegem!

Tudo no mundo - eu digo, tudo,
e repito: - tudo enfim finda em
falha rompida e não mesurada
do desexistir.

Menos meu poema
que, por ser dilema,
nunca encontrará o fim.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Eu, que sou

Fogo palpitante
e as rodovias suspensas
àquela uma que descrevo
em deserto, desertam-me.

(É isso mesmo)

o homem cada vez mais máquina
já esquecera como olhar para os lados.
A raiz de tudo está em aérea flutuação,
desbotando a ponta periódica
do meu triângulo ABC sem lados,
de lados A Z K L C F E,
xiz da razão-cheque-mate.

Eu, que nasci de sonho
nesse mundo de semi-deuses indiscretos
devotos ao que ponho
sob a mesa vento vinho fogo reto,
justo eu!, pra me ser.

Pronto para a fuga,
fugindo dessa existência controversa
que abre janelas rios fluindo aquático
apático fato de ser-me!

Incontáveis as contas
prontas e já escritas nas estrelas
que insistimos em recalcular.

Alto atuo o ato
vide vivo a vida que
foi-me transgredida
por monges mangas
rasgadas e suculentas
fruto e polpa, também.

Sobram ainda fragalhos dos amigos
amados amigos amizade amontoada
às pressas.

Pois se não fosse eu a cumprir
o papel de metalingüisticar-me
que seriam vocês de mim?