quarta-feira, 27 de maio de 2009

Poesia de meu tempo

Há muitas vozes.
Me chamam e não vejo,
há ademais muitas vozes!
Eu aqui posto em meu
lugar, diante do espelho,
e eu perguntando ao pó:
onde fui parar?
Em que estação desci?

(verão, o romance, e outono, o fogo)

Há muitas vozes! E me convocam!
Me contam velhas notícias.
Me deixam às sombras do banco.
Entre dois dias me prendo
e me ilumino muito pouco.
A dor é só fingida
o vento voa imaginado
no marginal indício e repouso
teu e meu, os olhos. As vozes!
Crio asas (há muitas vozes)
crio o tempo (desafinam)
e criarei minha própria era
insistida no silêncio
de uma paz, minha e de todos
pintada em só uma cor, uma gota vermelha
entreversada.

domingo, 17 de maio de 2009

Esta terra

Na janela, um vento que ruge pra dentro de casa.
No cristal, uma paixão antiga e descolorida.

Descobri a forma de uma paixão,
mas como mantê-la?

Se minhas mãos são pequenas,
se eu todo me compresso em minha pequenitude,
sou ínfimo e me exponho, sem motivos.

Quem sabe um dia volto a ser,
e essa fenda e essa magnitude
completarão de vez a vida inteiriça.

Sob a camisa vermelha
sob o peito sem disfarces
eis o peso de meu mundo!

Que dor tamanha reconhecer
que do mundo não escapamos mais!

As peças estão dispostas.

Mas não sei juntá-las.

Peço perdão pela ignorância minha.

Não nasci por entre clarividências.

Consumi apenas o que me foi entregue
e nada além resta que minha disciplina não
já tenha confrontado antes.

Sou o palhaço e todos, todos choram.

Coitados, mas salvá-los é impossível.

No final da tarde, e
na ceia posta à mesa
o mundo fecha-se. E vejo no furo,
nos contornos do abismo branco
e nos palcos dos dramáticos
o frio que tomou: esta terra, esta terra.

Faceta

O mundo é grande
e pordemais vasto
para poder me calar.
Quando deito,
quando levanto e quando me enterro,
meu coração só quer explodir.

(sou todo explosão)

Pra quê o mundo?
Se nasci pequeno e sem árvores...
Minha liberdade foi perdida ou é nula...
Por isso em casa percebo amores...
Não sei usar as mãos como tesouras...
Queria só a paz duma casinha escondida!
Sim! Como queria!!
Mas agora é tarde, mundo meu,
e convocarei todos os animais
e rasgarei todas as vestimentas
e perderei a máscara de humano
só pra provar do mundo o gosto
da minha fome, da tua boca e da
nossa eternitude.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Passagem noturna

Ai minha amada,
que faremos agora?
A noite surgiu galopante
pra me deixar cego e perdido
pra te levar embora consigo;
e agora?

Tenho medo, e te chamo.
O crepúsculo já deitou o fogo,
o verão perdeu sua natureza
e a certeza do luar me alerta.

No silêncio, o canto de um sombrio pássaro.
Esse mundo agora é só camada gélida
de ar petrificado pelo anúncio do amanhã.

Tudo dorme. A chuva é rio de sono.

Tudo morre, e ninguém ou nada arrisca existir.

Tudo vive, sob lençois, sob o mato.

Tenho medo meu amor, o mundo é disperso,
é espuma venenosa. Enxergo branco.
Nas ruas sub-iluminadas há só
a pesada névoa do cansaço.

Mas dentro de casa
mas dentro de teu peito, enfim,
uma flor abre em sutil exclamação.
Teu abraço é minha única salvaguarda.
Se sobrevivi à passagem, foi só pra berrar à aurora:

vivo!