quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Tese xx xy

Eles correm atrás delas,
escondidas nas casas e acasos.
Não se perdem,
pois há sempre alguém a procurá-los.
E mal chegando, já vão saindo;
entraram apenas pelo prazer
de abandonar
(eles ou elas?).

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Dias no mundo

Tem dias que a tristeza do mundo
repousa em meus fracos ombros trôpegos.

Ai, dias de martírio...
Hão de chorar, por mim e por ela,
os cinamomos, que sabe também
as cerejeiras róseas, sublimando lágrimas
na diáspora do sol, em tarde-chuva.

Preso a cadeias de palavras
que não significam e só dóem
porque doer é seu destino.

Por trás da liberdade,
o choro afinca, se não liberta.

Tem dias que o amor do mundo
recai em meus olhos cansados de ver.

Dias de mistério...
Quantos será que arranjam-se espaço
em mim...

Se é rubi ou esmeralda,
troca-se dois por nada
entre amor e tristeza em passo etéreo.

Conjuro feitiço algum,
acabo hipnótico
dentro de meu próprio sonho,
gaiola mansa.

Ladrão de almas

O ladrão de almas!
Preso na esquina de barro,
espreitando novas vítimas.

Você, mocinha linda,
que mais pura não se faz!
Decisões são simples quando não há escolhas.

Vem cá já, oferece-me-lhe.
Que é aquele lá, perdido na via...
ah! Alma feia... fria...

não vale a pena ser tão pequena:
calma lá que também sou limpinho...
espera enrutido feito da flor o espinho.

Consome tudo o que alcança
e faz tantas vítimas ao luar
que não me assusta o mundo novamente a acordar morto...

Se alma vira alimento,
os homens hão de dormir com um buraco em si.
A noite corre, de qualquer forma...

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Mentiras que nos contamos

Da mesma fonte de onde partimos,
onde esperamos chegar, por sorte ou destino,
atravessando a própria ciência e existência humana
e as paredes simplesmente frágeis,
flui puro pelas passagens
o ventre do verdadeiro amor.

É de onde me agarrou a alma cega
e fez sua artimanha, plano de fuga,
fisgou da terra a luz toda
e levou a olho de moça nova:
eis ali na curva do coração,
foste meu verdadeiro amor.

Mas quando encosto-me no quadro da memória
não há certeza de mais cousa, nada.
Deito frio e acordo morto
cada pouquinho só mais louco,
cadê o sangue partido, o bem-perfeito
indefecto, és tão minguante assim,
és meu verdadeiro amor?

O mal que atravessou séculos
deu-se seu jeito até mim.
Não dói; queima.

Mas morimbundo que saio,
passos retos nas calçadas viradas
e no enxame do pensamento ininterrupto
interrompe-se-me de súbito.
Não és, pois, a face parda trancada à rua
e que recomeço a reconhecer, não é vero?
Serás tu o meu amor verdadeiro!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Sobre harmonia...

Se minha expressão de tristeza pura
passase por caminhos conhecidos
parasse o trânsito e os corações
de gente como a gente!
Mas não,
espero o controle da mão divina,
invisível a ponto de sumir,
que me faça companhia durante séculos,
o primórdio e os tantos momentos
(momento é tudo aquilo que congela o tempo e nunca mais devolve-nos).

Momento vagabundo,
deu-me sorte de mantê-lo em pé!

Mas sabe, assim como as estrelas voam parafusas,
que minha expressão cabe mais que no instante
onde vi e decidi todo o meu futuro

passaria, passando, passado,

de minha soleira a solidão já é amiga
(solidão é todo o ato sozinho que devemos repartir com nós mesmos,
não importa que horas, que tempo ou que momento).

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Nostalgia móvel

Ando bem desinformado.
É o mundo que não me procura mais
deixando as novidades amonotar em poça.

Apenas sei que não sou mago
para contar a luz em salas tais
dum intranstornado ar de moça.

Em um baú porém escondo
alguns estilos de rabisco:
é um crime hediondo,
do ladrão não há nem risco.

Sentado nele me recordo
dos meninos e da glória,
minha memória, eu que mordo:
esta pois é minha estória.

Portas

São as portas.

Ah, as portas que não abrem
em simples silêncio do dia e sempre
alma carente de significado grande,
pois é pequenina. Mas não admite
e nem encara. São brancas as maçanetas
ou preguei-me um desafio? Se for,
morrerá curto como for noite adentro.

E conforme tudo passa na janela,
janela é mais que entrada; invasão.

Rompe o equilíbrio angelical
que o diabo disfarçou, e é
fogo nas botas e raio claro na água.

Homens sem nome batem na madeira,
entram,
pois não há maçanetas nem fechaduras
em sua percepção palhaça
da vida que não vivem
pelos sonhos já sem fome
presos aos passados
em correias de aço fundido
até cristalizarem-se.

Pois as portas não dispõem
da paciência ou ausência ou qualquer outra cousa.
Mas são flexíveis em sua rigidez,
sempre passos a frente
dos nossos trapaceiros destinos.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Cavalos correndo

Dai, senhor, louvores aos cavalos nobres.
No final do dia
hão de sumir as lapadas.

Olhai, senhor, os sons dos passos livres:
os trompetes já anunciaram
a chegada calma deste instante.

Buscai, senhor, com todas vossas forças
os ascos e abraços encantados
de vossos irmãos de areia.

Percebei, senhor, se é verdade o indício
da natureza enviada aos céus
em hora difícil porém boa:

óh percebei, senhor bom e puro,
sois os cavalos correndo no verde vivo.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O ponto, minha vida

“O ponto!” berrava o homem como podia, do centro da Praça, em pé ao lado da estátua, fazendo-se grande e imponente. Era decerto um andarilho qualquer, a julgar-lhe as vestimentas, mas tinha um aspecto de higiene ímpar no rosto; parecia iluminado. Moraria ali mesmo, na Praça Giramundo? Não convém sabê-lo agora. Na esperança de ser eloqüente, ele simplesmente retomava seu discurso:

“Há um ponto onde...”, contudo não havia uma alma só que lhe prestasse atenção. Todos seguiam indiferentes, alguns apressados carregando pastas e maletas, olhando discretamente o relógio, silenciosos e distantes, mergulhados em suas vidas semanticamente idênticas. Provavelmente o andarilho estaria frustrado e até exaurido, mas ele não desistia:

“O ponto! Escutem, todos! Imaginem o espetáculo... ora, ora... aproximem-se e hei de explicar-lhes do que falo. Não é insanidade, vos juro!” enfim um considerável grupo de pessoas estava começando a ouvir-lhe, porém sem levar muita fé, fosse lá o que diria (foram pela beleza da retórica, decerto). O homem, vendo seu público já um tanto ansioso, prossegui a oratória:

“Imaginem por um momento, cidadãos! Há um ponto onde a chuva acaba e a terra adiante está seca. Imaginem... que cena linda! Magnífica! Magnificentíssima! De um lado, a chuva, cai chuva fina, cai chuva forte... do outro, Magia: seco! Seria um espelho? Seria ilusão? É o ponto que vos falo...” o homem parecia dirigir uma ópera, movia seu corpo harmonicamente para os lados, sorrindo pacificamente. “Se estou em chuva, estendo meu braço e sinto apenas o ar... ah... que sentimento de mundo incrível, incomparável... divino! O frio e o quente unidos! Ah, uni-vos! Compreendem? É a Magia!”.

“Não compreendo”, falou um moço em meio da massa, mocinho de olhos pequenos protegidos por um par de óculos. “Quando chove na cidade, chove na cidade toda. Não é possível que a chuva tenha um fim.” “Não, não mesmo” concordou uma mulher de cabelos longos, visto a oportunidade de se manifestar. “Não faz o menor sentido; tu aí à estátua mentes, calúnia! És louco, por acaso?”, e riu de sua condição.

As pessoas lentamente foram se afastando do homem, agitadas, algumas rindo, murmurando e reclamando sobre a “Perda de tempo que passei a escutar esta praga delirar!”. O homem tentou chamá-las de volta, em vão, “Voltem, voltem! Por favor. Por favor...”. Pôs-se a chorar quieto, sentado, a cabeça entre os joelhos. Não cria que alguém o tivesse levado a sério. Mas havia alguém na multidão que o fez: eu. Era jovem, é verdade, e a chaga da mocidade é crer que tudo pode funcionar como quisermos. Mas não foi por isso que acreditei nas palavras do andarilho. Foi algo superior, incompreensível, que fez com que fosse até lá e falasse-lhe:

“Acredito no senhor. Acredito em sua Magia”, tampouco as palavras ele ouviu, mirou-me primeiramente incrédulo, então sorriu, riu, gargalhou alto. As lágrimas eram agora de alegria. Recompôs-se, ergueu suas mãos até meus braços e disse-me:

“Sim! Que dia feliz, meu amigo! Pois saiba que hoje uma lição aprendeu, leva-a na vida! É meu pedido. Não faça como os demais, olhe para eles... as almas sujas, abandonadas... não! Resta esperança nesta terra; resta-a em você. Agora corre, vai! Em busca das águas, em busca do ponto!”

E então fui. Fui passar minha vida nessa idéia. Sempre que via a chuva escorrer as gotas pela janela de meu quarto, saía correndo na rua atrás do tal ponto. Às vezes me perdia, quase sempre voltava sujo, exausto. Nunca encontrava o local, mas sabia estar por aí me esperando. Cada vez era maior a esperança, afinal, tratava-se do ponto! Onde se existe e não existe simultaneamente, ah! Magia! Fantástico, estupendo! Será que o tempo lá corria? Seria também colorido? Seria doce? Que tal, que seja!

Os anos se passaram, mas nunca desisti de minha busca. Tal ilusão, tal barreira finíssima porém intransponível sempre me pertenceu, assim como a pertenci. Mas nem tudo são maravilhas neste mundo: sou velho agora. Com a idade, vem também a doença, os males, é verdade. Encontro-me agora numa manhã ensolarada; deitado à cama, observo pela janela o mundo lá fora; crianças ao verde, ao parque, carros, pessoas sorrindo, cumprimentando, interagindo umas com as outras; vida. Amam-se? Quem sabe, quem sabe sim, assim espero. Mas e eu?

Sinto que expiro hoje à noite. Sim, nunca me falhou a intuição dos bons. De forma semelhante nunca encontrei o ponto, meu ponto. O homem da Praça Giramundo que provavelmente já não pertence a esta terra, não ouvi mais dele. Fora sepultado?... Ah! Mas que linda! Que linda esta visão que agora me dei de presente. Entendi-lhe, compreendi o homem! Ah, entendi. Não me importa achar o ponto! O importante é a busca, a emoção que lhe dei. E como dei, como! A devoção toda, minha eterna luta solene e quieta, muda, ah, que momento único este, agora... é a Magia!

Aqui ponho-me a chorar, transborda-me completamente o coração. Não entendo; não requer entendimento. Expiro hoje, sim. Morro feliz; tive uma vida perfeita. Reflito: quem sabe era este o ponto?

Hoje à noite, logo após minha passagem, choverá. E amanhã os céus anunciarão os louros de um arco-íris transfigurado. Sim, sim, a intuição dos bons nunca falha! É a Magia!

domingo, 7 de dezembro de 2008

Poema simples do amor

Será que há
dentre a multidão
parte do todo
alguém que me veja
e não só me enxergue?
É minha esperança discreta
e no vento dos gregos
(quando sopra)
há algo que, docemente,
corrói-me inteiramente.

Mas não compreendo
esta louca linda visão
por isso deve ser o céu
tão azul sobre a terra cinza.
E o mar
é mais profundo
do que os olhos permitem ver;
assim é,
que os homens o querem ser.

Minha incógnita é invisível,
mas possível.
E, enquanto fico nesse mareio,
resta-me só a afirmação dos doentes:
te amo
ainda que não por inteiro,
ainda que não agora.

Dor/mente

Sentir,
sentir e tremer
é um abysmmo
lago colossal de áqua escura.

É feito e desfeito
seria ilusão?
Ilusão é o leito
do devasto deserto, coraçãumn.

(arrancar-se-me-á o meu,
da ponta da faca
o quanto antes).

Tremer,
tremer para esquecer,
o primeiro passo para lembrar

sozinho

as noites de contraste e motivo
que levo in memorian,
até que a mourte me despedace
e minhas mãos,
calejadas e injustiçadas mãos
formem um pássarol sobre a carne fria deposta e decomposta.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Confssão

Eu vos juro
e juro sob minha alma entre paredes
que jamais fiz algo errado.
Pudera eu! sempre certo em relíquia
e dum gesto que eles não entendem.

Minha pena e prisão:
essa gente.

Se cometi o crime,
se apontei a arma à face nua
e no gatilho apertou-me a vontade;
se matei um homem, o irmão, Deus,
culpa minha que não foi.

Não, sou só vítima,
eternamente vítima

do jogo superior que não entendo:
estou ao tabuleiro.

Se houve morte, câncer,
roubo,
se feri às pessoas na casca da pele
e rachei as sombras de suas incógnitas
nunca será minha a culpa!

Meu pai, crês no que digo?
Não apontaria fogo a amigo.

Mas aqui, na cidade do silêncio e justiça
a arma que não saquei
dispara por si mesma.