terça-feira, 2 de setembro de 2008

Vamos escrever!

Você pode achar aí, sentado na sua (espero) confortável poltrona - isto para os que se encontram sentados agora - que enquanto o mundo continuar a girar e a Rede Globo continuar a reprisar O Resgate Do Soldado Ryan e O Inferno De Dante durante as férias, sempre haverá aquilo o que comentar, sempre terá algum assunto pedindo algumas linhas, uma idéia surreal palpitando para ser transformada em parágrafos, por mais obtusa que ela seja.

Todavia, o mundo é um lugar com certeza incerto. Da mesma maneira como a Globo pode adquirir novos sucessos cinematográficos para passar em sua programação, quem já sentou deste lado do monitor, teclando letras e sinais alucinadamente e dando tapas na barra de espaço, sabe que nem sempre o sol brilha tão forte assim. Os que supõem que sempre foi fácil redigir um texto fantástico, ou ao menos um regular, estão enganados. Por muito!

É inevitável. Todos que já tentaram juntar algumas palavras em frases e frases em parágrafos e parágrafos em páginas sabem do que estou falando. Sabem como há dias em que simplesmente não temos nada sobre o que falar, nenhuma palavra conseguimos escrever. O momento é apagado em si. Nos falta não só a inspiração, e sim tudo o mais: a vontade, a iniciativa, a emoção. Ficamos atônitos e atônicos ao mesmo tempo, sem nos preocuparmos com o fato de que o relógio está movendo seus braços e não estamos aproveitando o tempo que nos foi dado. Nem nos importamos com isso. O sol por fim cede e o dia desce, redondamente infrutífero.

O culpado disso? Se não houver mordomos nos arredores, podemos repassar a culpa para o segundo melhor bode expiatório de todos os tempos: a nossa sociedade. Toda essa balela de beba Sprite, seja legal, não seja estúpido, toque alguma coisa, escute música boa, leia livros, pegue geral, ame alguém, passe na prova, seja magro, arrume um trabalho, cuidado com assaltos, não seja sedentário, não seja tão magro, arrume seu cabelo, use filtro solar, não seja grosseiro, vá ver mtv, compreenda o dadaísmo, chega de oba-oba, vire comunista, seja gentil, não seja anafórico como estou sendo, assista novela, compre flores, não dê tanta bandeira assim, aprecie o abstrato, tenha sua opinião formada, use camisinha, help save mother earth, vá para a Disney, seja uma metamorfose ambulante, cinco fatorial é igual a cento e vinte mas não é tão refrescante assim tal guaraná: são demasiadas as informações e raro o conteúdo. Não é de se assustar que às vezes estejamos um pouco over-limit, rodeados de futilidades por bombordo e estibordo. Porém a verdade é dura e você há de encará-la. O dia foi insolúvel. Não rendeu nada. Talvez seja você mesmo, que na sua insignificância não conseguiu bolar algo para chocar a sociedade ou para entretê-la, que seja.

Você pode até tentar escrever, mas será em vão, convenhamos. O melhor a fazer é esperar este coma de inspiração e criatividade cessar, ele há de cessar. Podem se passar semanas sem nenhum resultado, e quando você menos esperar toda a sua imaginação ganha uma alta no hospital e sai correndo da UTI. Pode ser ainda que ela não fique lá mais do que algumas horas e, quando você se der conta, já está com seus dedos soltando faíscas no teclado. Sim, do mesmo jeito que sua inspiração foi embora para aparentemente nunca mais voltar, ela volta, aparentemente para nunca mais ir embora. É normal. Escrever tem dessas coisas mesmo, é só não se desesperar quando acontecer com você - e acredite, vai acontecer. Apenas não entre em pânico.

Ah: só não vale abandonar a pobre inspiração lá em coma para morrer.

Daí são outros quinhentos e já é enorme vacilo, o seu.


(Originalmente publicado em 12/03/2008)

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